02 março 2012

Um sopro

      Toda a noite é o mesmo frio. Um frio seco e áspero, como lixa desgastando o viver. Pouco a pouco congelando a esperança, transformando-a em floco de neve que, teimando em ser mais pesado que o querer se perde entre tantos outros flocos.

      E o frio vai tornando tudo mais difícil, mais distante, mais opaco. O futuro é só uma lembrança distante, algo que nunca chega e, ainda assim, já passou faz tempo. Não há verão, outono ou primavera; invernados os ponteiros do relógio e tudo se torna árido. Houve vida um dia, hoje apenas se ouve o silêncio do tempo.

      Mas nessa noite eu deixei aberta a janela do desejo e me soprou, leve e aconchegante, uma brisa. Desagasalhei o coração para que, livre todas as camadas de proteção que os desamores nos fazem carregar, pudesse mais uma vez sentir o beijo suave do vento.

      Quanto mais a brisa sopra, mais poças se formam pelo descongelar da esperança. Nelas se reflete o brilho incandescente da paixão. Há, nesse solo nu, sementes. Alguma há de vingar. Florescer e frutificar é preciso. Que seja primavera.

      Do frio de toda noite, me dispeço.