"Por entre árvores da praça que seria o cenário recorrente dos encontros, avistaram o fim de tarde, sol se pondo por trás dos morros no horizonte. O pequeno cinema oferecia um lindo filme que contava a história de uma mulher forte que correu atrás dos seus sonhos quando todos diziam para que ela desistisse. Violeta foi para o céu. Sentaram na última fileira de bancos e enquanto esperavam as luzes apagarem, se beijaram. Um beijo breve, quase que roubado. Um beijo doce, quase impossível. Do beijo, fez-se o riso, um sorriso contido, quase envergonhado. Outro beijos se seguiram e sem perceber o cinema, mas pessoas, o filme, tudo tinha desaparecido. Eram só eles dois, descobrindo-se, chegando a lugares um do outro onde nunca estiveram antes. Acendem-se as luzes. Fim.
E o que parecia mais um romance de final feliz desemborcou em outro clichê: o drama imbecil. Como se gato e rato, ele a procurava, ela fugir. Inalcançável, impossível. E assim o amor foi se esmaecendo, transformadas em desbotadas lembranças cores que as flores da praça um dia tiveram enquanto conversavam em um banco.
Mas o amor é algo imprevisível e surge quando menos se espera, de onde não se imagina. Ela ressurgiu, como se nada tivesse acontecido, falando dos dois juntos e como tudo poderia ser bom dali pra frente, fazendo o peito dele se encher de esperanças, sentado na poltrona em frente ao computador, milhares de quilômetros longe dela, querendo pegar em sua mão e mais uma vez provar daquele beijo.O O tempo foi passando, a vida seguindo e o desejo de se reverem sendo regado a cada bom dia dado.
Quase um ano se passou até novamente ele se ver cercado de bancos num aeroporto, prestes a voltar à cidade onde há beleza no horizonte. E foram bancos de avião, de ônibus, de carros até o retorno ao banco da praça. Mais uma vez a presença dela transformava o mundo em um detalhe esquecível. Foram ruas, igrejas, museus, cadeiras, sofás e bancos, tudo muito lindo, tudo ao lado dela. Ele viu a beleza dela refletida no vidro da janela, ele sentiu um arrepio percorrer seu corpo quando ela, ao tomar um susto, apertou a sua mão e se encostou em seu ombro. Sentiu que tudo fazia sentido.
Voltaram ao mesmo cinema da outra vez, onde se beijaram como quem rouba manga da casa vizinha, mas dessa vez tudo foi diferente. Mal havia começado o filme, tiveram que ir embora. Na dúvida entre esperá-la voltar ou passear solitário o resto do dia, depois do beijo de despedida ele sentou e tomou um suco de laranja.
Mal ele imaginava o qual amargo seria aquele suco e que a última vez que a veria seria quando aquele par de all stars vermelhos dobrou a esquina."
27 dezembro 2014
Os bancos, parte final
21 julho 2014
Cercado
Planta, rega, nasce, cuida e colhe
amor é terra fértil e arejada
donde brotam as paixões desvairadas
desejos floridos
sonhos infrutíferos
Em botão fechado se mostra a rosa
não se sabe bem a sua cor
e vai aprendendo com a vida, velho jardineiro,
espinho de planta nova ainda machuca
os dedos.
17 junho 2014
Jujuba verde
"Escurece
cresce tudo
que carece"
Paulo Leminski
Dia de inverno, chuva, frio, vontade de fazer nada durante o expediente. Assim seria mais um dia normal, como quase todo dia, beberia muita água e por causa do frio iria muito ao banheiro, ficaria desejando dar meia dia para poder almoçar e depois do almoço desejaria que o expediente acabasse, daí voltaria pra casa. Pra quê? Pra nada, mas ainda assim era melhor que nada no trabalho. Entre relatórios, notas fiscais, atas e mais alguns documentos, uma frase ou outra trocada com quem estivesse a volta, apesar de não ser dia nem de trocar palavras. O nada em casa era o seu sonho de consumo instantâneo. E o que fazer até chegar ao paraíso? Nada...
Numa dessas alguém abre a porta da sala, dá bom dia, pede licença e com um rodo e um pano velho vai passando desinfetante na sala. E isso seria mais um item a ser riscado da rotina se não fosse algo incomum. Não entendeu o que se passava, mas algo estava diferente e diferenças não são coisas normais no ambiente de trabalho, então tirou os fones de ouvido e só então percebeu que o que havia de diferente era o cheiro do desinfetante. Cheiro forte, insistente, cítrico. Não era dos melhores, supôs.
Aquele cheiro que não ia embora aos poucos fez ele lembrar de jujubas, mais especificamente as jujubas verdes. Não que fossem suas preferidas (gostava das vermelhas), muito menos que o cheiro da jujuba verde fosse igual àquele que empesteava a sala, mas a lembrança veio de supetão e sem dar muito tempo ao cérebro de entender o porque daquelas sinapses fora de nexo. Então pensou que lembranças não são coisas que vem, que entram na gente: elas já existem do lado de dentro e pouco importa o que as tiram do sono profundo. Elas vão aparecer, mais hora, menos hora. Algum cientista vai dizer que estudo apontam as causas dessas ligações estranhas da mente humana. Balela das brabas, essas coisas não se estudam. Se sentem.
Puxadas pela jujuba verde vieram outras tantas lembranças, novas, velhas, algumas já esquecidas. E lembrança quase nunca chega sozinha, sempre traz consigo alguém a reboca. Saudade, tristeza, alegria. A lembrança cítrica da jujuba verde carregava consigo um desejo, daqueles que a certa altura da vida já se começa a ter certeza que só vai se realiza na próxima encarnação (se houver). Lugar de trabalho não é propício para desejos, no geral eles não permitem nada além de reproduzir o comportamento padrão da rotina. Desejo não é padrão, não é rotina. Normalmente o desejo é a fuga, é a mudança, é a antítese do local de trabalho.
Tinha que se decidir entre a rotina e o desejo. Era um dia de inverno, chuva, frio, aquela preguiça de tudo na vida, inclusive de alimentar desejos. Colocou os fones de ouvido e voltou aos relatórios, não sem antes anotar em algum papel que foi esquecido nalguma gaveta: comprar jujubas coloridas.