28 abril 2011

Quando a chuva vem


      Mas que chuva é essa que cai lá fora enquanto a noite é escura? Será a chuva que lava a alma e enche de esperança o peito daqueles que estão secos de alegria ou será a chuva que dissolve os sonhos e os desejos, afogando cada célula de viver em descontentamento?

      Enquanto estiver no meu mundo não tenho que me preocupar com a chuva, ela não passará de respingos na soleira da janela. Não matará a minha sede nem me levará embora, mas ouvirei contente o batucar das pequenas gotas.

      Só que a chuva me chama, me atrai, me instiga. Talvez um anseio contra a minha aridez (há sempre um sertão dentro de nós esperando para verdejar), provavelmente a necessidade de transbordar o copo dos meus lamentos e desrepresar o se acumula nesse posso sem fundo que é a alma. Ei de ir lá fora arriscar. Enquanto isso deixo meu mundo desguarnecido do seu significado em si: Eu.

      Não espero ser o mesmo depois da chuva, há algo de metamórfico no ar que entremeia as lágrimas das nuvens. Apenas feche os olhos e sinta as pequenas mudanças que acontecem a da molécula de H2O que percorre sua percepção.

      Meu mundo sou eu. Mutado pela chuva, posso não ser reconhecido por ele e, portanto, não me reconhecer. É estranho ter que arrombar a porta e tomar de assalto o que já lhe pertence. Deixo a chuva lá fora, ela não faz parte do meu mundo e enquanto me livro das roupas encharcadas, penso se valeu a pena arriscar.

      Quem eu era? A chuva levou e nunca mais voltará. Quem eu sou? A mesma chuva não há mais de mudar. Quem eu serei? Nenhuma chuva pode afirmar.

26 abril 2011

Um pedaço completo

      Aqui onde estou posso ser o que quiser e não há quem ou o que possa me impedir do contrário. Meu quarto é meu mundo, meu reino. Exijo respeito a mim e a ele, sob pena de ter a cabeça cortada ou, ainda pior, ser malquisto nessas terras.

      Aqui onde estou a gravidade não pesa e o tempo não passa. São meus súditos e parceiros. O dia e a noite são meramente o estado da lâmpada que brilha e aquece, a um único desejo posso mudá-lo. A brisa que sopra ou o furacão que tudo arrasa vem do meu ventilador, resposável também que é do barulho do trovão.

      Aqui onde estou eu escrevo, toco, pinto e bordo como ninguém. Todas as melodias são minhas, todo os sentimentos e desejos também. Sou menestrel e platéia, com direito a aplauso e bis no final. Até me faço de bobo de corte e riu de mim mesmo. Acho isso tudo engraçado.

      Aqui onde estou sou diplomata e exército, juiz e juri. Minhas decisões são inapeláveis e, por isso mesmo, completas de justiça. Todos são bem vindos até que me mostrem, demostrem e comprovem disposição do contrário. Daí então a tranca da porta será serventia do reino (mas pode acontecer um indulto esporádico, sem muita periodicidade).

      E se, por bondade deste monarca que vos escreve, lhe for permitido usufrir do conforto e do aconchego da cama, saiba retribuir na mesma moeda. Sinceridade, respeito e um pouco de carinho são sempre bem vindos (melhor se acompanhados de alegria e companheirismo).

      Aqui onde estou tenho tudo que preciso. Por vezes eu sinto falta de algo e me descubro explorando outros mundos, outros reinos. Invado o covil, enfrento a fera e recolho meu tesouro. Então volto a viver no meu reino. Feliz.

22 abril 2011

Madrugada vazia

      A essa hora, quando quase todos dormem, eu fico esperando. Esperando. E não chega. Cadê?

      É na madrugada que me sinto mais a vontade, que sinto mais vontade. O silêncio e o escuro só preenchem meu quarto de vazio. Onde se encontra o brilho e a melodia desses momentos? Anda distante, bem distante. Será que volta?

      E o que era alegria e ternura se torna a insônia me puxando pelo braço para a cama vazia. Sem graça. Não aceito o travesseiro inodoro, imóvel, intacto. Tem como?

      Quem espera sempre sofre. Talvez, um dia, alcance. Espero ser está a minha sorte.

15 abril 2011

Suave

      O dia passa rápido quando se está leve. Aquela sensação de que tudo está certo, mesmo que esteja tudo da maneira que ontem, quando nada era muito bom. Quando você quer que o tempo passe devagar, ele voa, quase se teletransporta pro futuro. Pois devia deixar de ser mal criado e ficar quieto, pra eu poder aproveitar melhor a sensação (isso foi quase um plágio de Móveis coloniais de Acaju).

      Acordo sem pensar muito no meu dia, ele não deve ser muito diferente que o anterior, uma rotina entendiante de poucas emoções. As mesmas caras, os mesmos lugares, a mesma atmosfera. É como acimentar as raízes de uma árvore, ela para de crescer, murcha e pode até morrer. Sobrará um tronco onco e podre. Carcaças.

      Eis que então uma brisa errante sopra no rosto e espalha os cabelos. Junto com o frescor do sopro, traz também o aroma das mudanças. Nada que destrua os alicerces ou provoque cataclismas; é só um fato novo que traz consigo esperança.

      A árvore que não tinha mais seiva, tendo perdido toda a sua vida, agora tem um pedacinho de terra para se alimentar. Ela ainda não dará frutos ou será uma agradável sombra e ainda terá muito o que procurar para se tornar exuberante, mas já terá uma folha. Uma cosquista. Uma esperança.

      O dia continua passando rápido e a noite já vai indo, mas a brisa suave que varre a poeira não me deixa mentir: algo bom vem vindo.

13 abril 2011

Disritmia

De pouco a pouco um salto, um descompasso marcado
desejo exasperado de possuir o que ainda não tenho
que aos poucos vai crescendo numa transmutação quase instatânea
ao ter você nos meu olhos e imaginar o teu cheiro
Deixa me embolar nos teus cabelos, misturar nossas peles
duas cobras criadas, um tanto malcriadas
outro tanto, bem servidas
e num ritmo dissimulado cada qual a sua maneira
desejando do outro um vacilo (melhor ainda, um bote alheio)
pois o receio é um charme que nos tempera por dentro
dança sem passo certo, mas de compasso intenso
acompanhado de um som teso e abafado
nessa hora tardia, com os corações disparados
a disritmia vai tomar conta do espaço...

11 abril 2011

As medalhas já não brilham no peito

      Guardo meu passado muito bem, em forma de lembranças, fotos e pedacinhos de papel. Estão lá para serem resgatadas assim que bate a nostalgia. Ou a necessidade de arrumar o guarda roupa (no sentido literal ou metafórico).

      No meio desses relicários envelhecidos, me deparo com alguns pedaços de metal enferrujados, com algumas letras e números gravados. Medalhas. Pequenos símbolos de grandes conquistas que o tempo transmutou em grandes símbolos de coisa nenhuma. Apenas metal, ferrugem e um pouco de lembrança. Ou nem isso.

      Uma a uma foram enfileiradas na mesa, como se fosse um exército vencido a caminho da execução. Não havia mais orgulho em exibí-las, o brilho se foi para nunca mais. Melhor se desfazer delas.

      Não espero mais ganhar medalhas pelo que conquistar. Prefiro as fotos, os pedaços de papel e, principalmente, as lembranças.

05 abril 2011

Sometimes it lasts in love, but sometimes it hurts instead*

      E eis que completei 8 meses solteiro. E sozinho. De forma alguma isso é bom, mas acho que aprendi algumas coisas nesse tempo. A solidão é, também, uma forma de aprendizagem, mesmo que as duras penas.

      Aprendi a me controlar um pouco mais, a repensar meu passado e procurar consertar o que talvez tenha feito de errado. Percebi que aos olhos do tempo nada é imutável. Mesmo o amor, mesmo a raiva, mesmo a indiferença.

      Queria agora poder dizer que estou feliz, que meu coração está leve e que minha cabeça está sã. Queria, mas não posso. Me faz falta alguém. Um ombro, um colo, um sorriso. Aquele abraço que aquece e proteje, mesmo quando está quente e nada de errado pode acontecer. Alguém para eu pode pensar e me sentir completo na hora de dormir. É só uma pessoa, mas nunca vai ser qualquer pessoa.

      As primaveras me fizeram aprender a gostar melhor e por isso mesmo é difícil deixar esse gostar pra trás. Sempre precisei de muito tempo para me sentir preparado para o próximo amor. Eu sou assim e não vejo porque ser de outra forma. Hoje posso dizer, também, que não espero que alguém seja igual a mim, independente da dor que isso vai me causar. Sim, meu peito vai rasgar e eu vou querer desistir de amar novamente, só para não ver quem eu amei indo embora mais uma vez. Sim, vai passar. Sempre passa. Sempre fica algo de mim, despedaçado que fico. E é isso que importa. O curar não é importante.

      Não quero verdadeiramente a infelicidade de ninguém pois já me basta a minha para ver que o mundo não tão feliz quanto queria que ele fosse, mas tenho o direito de invejar a felicidade que não me é permitida. Não preciso roubá-la. Assim seria mais infeliz e, pior, sem paz. A felicidade que procuro é só minha, sem divisões e sem restos. Plena e completa de si, em si e para si. Para mim.

01 abril 2011

Findo 2



      Não gosto de finais. Quer dizer, não gosto quando esse final está relacionado a mim. Não posso controlar o mundo nem as pessoas e fazê-las entender que o fim é ruim, então tenho que está preparado para eles. Mas não queria.

      Eu gosto de graça das pessoas a quem tenho apreço. Faço o que faço por elas sem pedir troco. Talvez, por vezes, goste de uns afagos na alma e não acho isso errado. Relações desequilibradas são nocivas para todas as partes. Não quero para mim, não desejo para ninguém.

      Escolhas. Renúncias. Disso é feita a vida. Nem sempre ganhamos, mas quase sempre perdemos alguma coisa. Ou alguém. Não deveria ser assim.

      E se por esses dias fiquei contente por ter retomado contato com alguém que foi importante pra mim, mesmo que por pouco tempo e tudo tenha terminado de forma confusa, por outro lado acabo de perder outra pessoa igualmente importante, com quem compartilhei boa parte da minha vida nos últimos 3 anos (pensando agora me parece que foram bem mais). Não que ela tenha morrido, tomado chá de sumiço ou ido viver num lugar ermo da Terra. Foram escolhas e renúncias.

      Tenho sim tristeza no meu coração, mas essa se desfaz com o tempo. Vão ficar comigo somente as boas lembraças. O sorriso. O sotaque engraçado. Os convites de aniversário mais legais que já recebi (e, pior, tive que recusar). A decepção de nunca ter podido fotografar um dos sorrisos mais bonitos e gostosos que já vi. O cabelo curto aos 23 anos. Nem tão curto aos 24. Do desejo de ver o mar.


      Si, seu lugar ainda tá guardado no meu coração. Espero que você um dia queira-o de volta. Não precisa de esforço. É só mais uma escolha.

PS: Cuida bem do Vinícius, tá?