12 dezembro 2013

Os bancos, parte 2


      "Passos curtos, sem pressa, caminhando calmamente sob as sobras das árvores. Não parecia que ali era uma grande avenida, carros e ônibus passando a toda velocidade, como se vida acabasse na próxima esquina. Inocentes: a vida tinha começado a pouco.

      Os olhos não se viam, as mãos não se tocavam, as palavras era quase mudas e nada disso impedia de sentir a felicidade de estar ao lado dela. As pessoas passavam, mas nenhuma delas tinha importância. Só ela. Tímida, um tanto distante. Não havia diálogos, as trocas de sensações se davam no desconhecido da imaginação. Quantas noites já haviam sido viradas em claro em conversas que não se sabia o começo e nem se imaginava o fim. Quantas declarações veladas de querer não teriam se perdido nas interpretações? Ali começava o momento de se descobrirem. Não havia pressa. Só havia eles.

      Andaram até chegar. Uma praça. Parece que os romances precisam de praças, dessas com árvores, bancos, pássaros e flores. Dessas onde os amores (e os amantes) se sentem livres. Liberdade. Vagaram sem rumo em paralelepípedos que poderiam contar mais histórias que todos que os pisavam naquele momento conseguiriam imaginar. Sol batia e não havia calor, o inverno tem dessas coisas. Ficar próximo era também se aquecer, instintivamente a distância ia diminuindo a cada momento.

      As conversas começaram a acontecer, era delicioso escutar tão de perto aquele sotaque que tanto encantava ao telefone durante as poucas ligações que trocaram. A sintonia ia se afinando, ele percebendo a pele branca e os olhos castanhos. Trocavam sorrisos, daqueles que saem por qualquer coisa, que surgem por nada.

      Sentaram num banco. Banco, este, que era como todo banco de praça deveria ser, madeira pintada de branco sobre armação de metal. Fazia sombra, alguns jovens faziam barulho por perto. Pessoas corriam, levavam cachorros para passear, pássaros vez por outra cantavam. O pouco do espaço vazio entre eles era o que faltava para tudo não ter volta e esse era o mais difícil de transpor. E o destino, por suas vias tortas, fez sua parte, lançando ao encontro dos dois o desconhecido. Fala embolada, porém eloquente, roupas rotas e toda a falta de amarras que são características dos loucos (esta última também dos cupidos). Lançados pensamentos e verdades no ar, fez com que a garota se sentisse acuada com sua presença e procurando refúgio ao lado daquele que há muito queria estar tão perto. Quem tivesse olhado o casal ao chegar na praça não teria percebido mudança alguma, ainda se tratavam de um rapaz e uma moça passeando, conversando e rindo. Para ele, muito havia mudado. Conversaram por um bom tempo, ele mais a vontade com o louco, ela mais a vontade com ele e um pouco temerosa com o esfarrapado prostrado à sua frente. De um modo bem suave eles se despediram do louco e seguiram rumo à lanchonete próxima.

      Atravessaram a rua, fizeram seus pedidos e ficam a conversar. Ela mais a vontade, até puxava assunto. Parecia se sentir mais segura ao lado dele depois da visita inesperada na praça. Ele comia porque em algum lugar do corpo dele haviam sinais inaudíveis de fome, mas ele pouco dava atenção a isso. Entre sanduíches e batatas fritas, segurou na mão dela e não quis largar. O tempo era agora, o lugar era ali. O sol já tentava se por deixando o céu num degradê rosa que só deixava o sorriso dela mais bonito. Devia emoldurar. Guardou na memória, havia de lembrá-lo sempre que possível.

      O cinema ficava logo ali do outro lado praça. Seguiram, de mãos dadas, rumo aos próximos bancos...

02 novembro 2013

Os bancos, parte 1

      "Ônibus parado na rodoviária, pessoas descendo, pessoas querendo subir. Desembarcou e procurou um lugar para esperar. Ainda faltavam alguns minutos, mas a expectativa do momento faria com que aquilo parecesse horas. Talvez anos. Encontrou um banco cimento vazio, frio, sem vida, sem harmonia com o que se passava em sua mente. Era um dia de inverno, desses que normalmente faz muito frio, chove e estraga todos os seus planos. Só que esse era um dia de inverno diferente, fazia sol, o céu estava limpo e a temperatura era agradável. Olhou pro relógio, consultou o celular para ver se havia alguma nova mensagem. Pôs o fone de ouvido e começou a ouvir as músicas que queria ter guardadas na lembrança para aquela hora.

      Pessoas chegavam, pessoas partiam, quem ele esperava não aparecia. Procurava por alguém que não conhecia. Ao menos não pessoalmente. Não tão de perto que fosse possível conhecer a luz dos olhos. O conforto do abraço. Como então reconhecê-la? Instintivamente, sabia. Sentia que descobriria que era ela no momento que a avistasse, independente da distância, do ângulo, da multidão.

      Tô chegando, dizia a mensagem recebida. Nesse mesmo momento o coração bateu um pouco mais rápido. Estavam mais perto do que nunca e ainda assim era longe. Ele começou a andar de um lado para outro, pensou em dar uma volta e desistiu. Por mais que não tivessem marcado um lugar em específico na rodoviária achava que qualquer mudança poderia estragar tudo e tudo já havia sido estragado antes por causa de mudança repentinas. Não arriscaria dessa vez. Sempre é mais difícil lidar com situações incomuns quando se está num lugar praticamente desconhecido, as alternativas rápidas inexistem e a insegurança atrapalha. Definitivamente ficaria ali sentado, no banco não mais tão frio, este havia de ter recebido um pouco do calor que se condensava em pequenas gotas de nervosismo em sua testa. Nem um banco podia ser tão insensível assim.

      Sempre observava os passantes na certeza que alguma hora ela passaria ali e, tal qual um míssil guiado, seria levado de encontro. Sem erros, sem mudanças de rumo. Rota certa. Já passava da sexta música, que dizia "Quando você chega é cataploft no meu peito", e o peito já tinha feito todas as onomatopeias imagináveis. Se tinha algo que tirava seu alicerce eram encontros. Nunca fora bom nesse quesito. Esperar não ajudava em nada, melhor seria encontrar logo e se não desse certo, cair fora. Se desse certo, aproveitar o máximo. A demora não dava a possibilidade de escolher uma coisa ou outra.

      Foi então que a viu ao longe, no meio de um grupo que havia acabado de descer de um ônibus. Tinha certeza que era ela. Seu coração já lhe afirmava, sem margem de dúvida. Ela estava de costas, blusa preta, calça jeans, tênis baixo. Seguia numa direção que não ia ao encontro da sua então pôs-se a caminhar enquanto tirava o telefone do bolso e tentava ligar. Ela não só não olhou para trás como não fez gesto que mostrasse que iria sacar o telefone da bolsa. Por um tempo ínfimo se perguntou "Não estarei errado, de novo?", mas preferiu arriscar: desligou o telefone e começou a andar mais rápido. Não demoraria a alcançá-la. Já havia esperado demais. Pensado demais. Desejado demais. Ninguém deveria desistir de tudo isso por um telefone não atendido, menos ainda depois dos tantos quilômetros percorridos. Faltava pouco, muito pouco.

      Finalmente conseguiu chegar próximo o suficiente para falar com ela, que naquele momento parecia estar procurando alguém. Ele, claro. Não teria porque ter dúvidas disso. Antes, no entanto, parou e a observou. Não sabia muito o que viria depois, além da certeza de a sua vida mudaria de alguma forma no momento em que se olhassem.

      Oi, ele disse. Ela virou meio surpresa e disse oi também. Nesse momento se rendeu ao sorriso mais lindo que já viu."

27 agosto 2013

Alento

Foi paixão
E ainda que não tivesse sido
Teria magoado o coração

É amor
e mesmo que não seja
ainda assim se finge amado

Terá um fim
E mesmo que não tenha
Algo terá começado.

14 julho 2013

Arado

Onde está a justiça do mundo
que permite a um querer de tão pouca idade
plantar tanta saudade
no peito?

Dessas coisas do coração, nunca aprendi como
cativar amor em liberdade
viver numa prisão sem grade
e querer nunca ser solto

O poço fundo da solidão um dia acaba
e na tormenta da maldade
vive-se a crua realidade
dos amores mortos à faca

08 abril 2013

Saudadeando

Veja só o que você fez
desistiu sem ter tentado
deixou largado, à tôa
o que era pra ser seu

carregarei comigo essa mágoa
quem sabe o tempo apaga
a minha alma não é tão boa
pra fingir que não doeu

A Liberdade machuca o peito
quando lembro daquela chuva
o pensamento pra longe voa
enterrando o bem querer que já morreu.

Sem fantasias

      Roupas, máscaras e maquiagem. O carnaval dá vida a muitos personagens que existem dentro de nós. Sob o signo da liberdade inconsequente, tudo é permitido. Alegria, alegria, mesmo que efêmera.

      E eu me pintei com as cores do dia a dia. Nunca aprendi a ser outro além de mim. Me fingir Pierrot ou Arlequim nunca foi a graça do meu carnaval. Ser o de sempre já era alegoria sufiente para curtir a folia de Momo.

      Mas todos temos fantasias guardadas nos armários das lembranças e vez por outra temos que colocar o bloco do eu sozinho na rua e desfilamos nossos anseios e desejos. Ninguém sobrevive sufocando eternamente os próprios quereres.

      Arejadas as lantejoulas (já opacas pelo gastar do tempo), penduramos a fantasia no cabide do esquecimento até o próximo carnaval.

06 abril 2013

Acabou de acabar

      Outro dia acordei com a saudade tomando conta do peito. Veio assim de repente, bote sorrateiro. Desprevenido e sem saída, me rendi.

      Então vieram as lembranças dos dias bons, dos abraços e dos sorrisos. Risada saindo fácil, leve e solta pelo ar. Dias em que o frio ainda tomava conta da barriga. Passeios, cinema, jantares. Todos os itens do romantismo clássico (e talvez ultrapassado, para alguns) utilizados com o único objetivo de ser feliz.

      A sucessão de dias foi sucedida pelo vazio. Pelo não ser impedido pelo não estar. Pelo fim. Acabou de acabar.

      Então a saudade se foi, sem hora pra voltar.

13 março 2013

(Im)Pulso



Eu.
Eu tenho um coração.
Eu tenho um coração que pulsa.
Eu tenho um coração que pulsa, quando estou em paz, em média 60 vezes por minuto.
E em cada pulsação dessa meu sangue é enviado para o resto do corpo e retorna ao coração.
Meu coração.
Eu tenho um.
Coração.

Como você já sabe, eu tenho um coração.
Um coração que pulsa disparado, em média, mais de 100 vezes por minuto quando estou em perigo.
E em cada vez que lhe beijei, meu coração disparou.
Eu senti o perigo.
Meu coração, também.
Eu tenho um.
Coração.


Coração.
Aquele que é meu.
Que pulsa.
Que sente.
Que dispara.


Meu coração pulsa 60 vezes por segundo.
Eu vivo a cada pulsação.
Ele pulsa pelo sentir.
Pelo disparar.
Pelo perigo.

Meu coração pulsa várias vezes por minutos.
Mas nenhuma delas é por você.

16 janeiro 2013

S

Sentir menos
Sem ter mais
sem tentar
sentimentos

soluçar
sem dançar
sabe lá
sem e só
solidão

15 janeiro 2013

O som ao redor

      "Cama, guarda roupa, ventilador, computador e violão. Um quarto simples, de alguém nem tão simples assim. Não precisava de muita coisa além disso, um pouco de água e alguma coisa pra enganar a fome até a hora da barriga roncar, como que avisando sobre os problemas da inanição. Não era só de alimentos que a barriga reclamava, nem todo carboidrato do mundo consegue saciar os sentidos. Os sentimentos.

      Havia espaço demais. Na cama, no guarda roupa, no peito. Imensos latifúndios improdutivos, plantados de desejos não concebidos. Nas cordas do violão não encontrava tranquilidade, cabeça inquieta e voando longe. Nunca soube tocar e ainda assim achava seus caminhos por entre lás e dós, esperando a hora que o sol iluminasse a penumbra. A luz não veio.

      E no entanto a música há de salvar. Se não a própria, filha deformada parida a fórceps; as de outros e outras, belas crianças que crescem e seguem seu rumo. E naquele parque de diversões de músicas com pai e mãe, algumas são escolhidas para brincar. Aos poucos o vazio não é tão incômodo, se fazendo de ar para refrescar. A cama não parece tão vazia e o violão já virou um par, parceiro mudo que sabe a hora de calar.

      Sem se dar conta, uma música carrega entre sua melodia uma saudade, que se aconchega no travesseiro macio da solidão. Sons transformados em imagens, reais e vivas e ilusórias. E sabia que aquilo tudo foi sem nunca poder ter realmente sido. Os abraços, os sorrisos, os beijos. Imagem de som te cheiro, tem tato e tem paladar. Não queria lembrar da multidão que envolvia, só de belos olhos negros que vez por outra diziam coisas belas antes de calar a própria boca com outra boca. A sua boca.

      Músicas não tem donos. Elas não pertencem a alguém, a algum lugar ou a algum momento. Elas são livres para serem o que quiserem. E essa música era pura saudade e foi quando o verso lhe abriu o coração:

"Is that a ufo or a shooting star?"

      Foi tudo aquilo algo fora da compreensão ou, como uma estrela cadente, algo tão efêmero e intenso que se apoderou de uma música para mandar recado? Então talvez tenha direito a um desejo: libertar a música.

      Abraçou a saudade, o travesseiro e deu boa noite ao violão.