17 junho 2014

Jujuba verde

"Escurece
cresce tudo
que carece"


Paulo Leminski



      Dia de inverno, chuva, frio, vontade de fazer nada durante o expediente. Assim seria mais um dia normal, como quase todo dia, beberia muita água e por causa do frio iria muito ao banheiro, ficaria desejando dar meia dia para poder almoçar e depois do almoço desejaria que o expediente acabasse, daí voltaria pra casa. Pra quê? Pra nada, mas ainda assim era melhor que nada no trabalho. Entre relatórios, notas fiscais, atas e mais alguns documentos, uma frase ou outra trocada com quem estivesse a volta, apesar de não ser dia nem de trocar palavras. O nada em casa era o seu sonho de consumo instantâneo. E o que fazer até chegar ao paraíso? Nada...

      Numa dessas alguém abre a porta da sala, dá bom dia, pede licença e com um rodo e um pano velho vai passando desinfetante na sala. E isso seria mais um item a ser riscado da rotina se não fosse algo incomum. Não entendeu o que se passava, mas algo estava diferente e diferenças não são coisas normais no ambiente de trabalho, então tirou os fones de ouvido e só então percebeu que o que havia de diferente era o cheiro do desinfetante. Cheiro forte, insistente, cítrico. Não era dos melhores, supôs.

      Aquele cheiro que não ia embora aos poucos fez ele lembrar de jujubas, mais especificamente as jujubas verdes. Não que fossem suas preferidas (gostava das vermelhas), muito menos que o cheiro da jujuba verde fosse igual àquele que empesteava a sala, mas a lembrança veio de supetão e sem dar muito tempo ao cérebro de entender o porque daquelas sinapses fora de nexo. Então pensou que lembranças não são coisas que vem, que entram na gente: elas já existem do lado de dentro e pouco importa o que as tiram do sono profundo. Elas vão aparecer, mais hora, menos hora. Algum cientista vai dizer que estudo apontam as causas dessas ligações estranhas da mente humana. Balela das brabas, essas coisas não se estudam. Se sentem.

      Puxadas pela jujuba verde vieram outras tantas lembranças, novas, velhas, algumas já esquecidas. E lembrança quase nunca chega sozinha, sempre traz consigo alguém a reboca. Saudade, tristeza, alegria. A lembrança cítrica da jujuba verde carregava consigo um desejo, daqueles que a certa altura da vida já se começa a ter certeza que só vai se realiza na próxima encarnação (se houver). Lugar de trabalho não é propício para desejos, no geral eles não permitem nada além de reproduzir o comportamento padrão da rotina. Desejo não é padrão, não é rotina. Normalmente o desejo é a fuga, é a mudança, é a antítese do local de trabalho.

      Tinha que se decidir entre a rotina e o desejo. Era um dia de inverno, chuva, frio, aquela preguiça de tudo na vida, inclusive de alimentar desejos. Colocou os fones de ouvido e voltou aos relatórios, não sem antes anotar em algum papel que foi esquecido nalguma gaveta: comprar jujubas coloridas.