Na rotina moderna de cumprir com as obrigações sociais-econômicas, ainda temos que arranjar tempo de viver. Encontrar os amigos, se divertir, descansar, sonhar. Boa parte disso hoje se concentra em dispositivos eletrônicos, esses pequenos seres opressores que cada vez mais escravizam a atenção das pessoas. Mas como em qualquer relação de opressão em algum momento os oprimidos vão se rebelar. Essa é a história de uma pequena revolta.
Há algum tempo via aparecer no meu instagram (olha a opressão) as fotos de um conhecido que sempre estava de bicicleta na praia por volta das 6h da manhã. Quem já pedalou pelo litoral esse horário sabe o quanto é gostoso pegar o clima ameno, a brisa suave e o silêncio logo cedo, dá uma energia boa para encarar os compromissos do dia a dia. Eu, claro, ficava com vontade de estar ali também, por gostar da manhã e das bicicletas, mas o horário é inviável para que entra nos trabalho às 7h. Mal daria pra chegar na praia e teria que voltar correndo para casa me arrumar já que meu trabalho não conta com estrutura para banho e troca de roupa.
A cada foto avistada e curtida ia aumentando o comichão para fazer parte do esquema, mas faltava um tanto de coragem. Não de acordar cedo, isso eu tiro de letra, mas sim de perguntar se eu poderia participar. Eis que, do mais de repente nada, sou adicionado num grupo do whatsapp (outra opressão!) que não tinha título e eu só conhecia de nome duas ou três pessoas das quase vinte que faziam parte, mas tinha o objetivo de formar um grupo para pedalar de madrugada!
O esquema era o seguinte: todos se encontrarem em um ponto de fácil acesso a todos, por volta das 4h da matina, para dar aquele rolê por alguma praia, retornando por volta das 6h. Me empolguei logo, se esse esquema funcionasse a contento eu poderia participar dos passeios e ainda chegar no trabalho dentro do meu horário. Depois de algumas conversas pelo celular, marcamos a primeira saída e... apareceram duas pessoas: eu e o conhecido (que agora já virou amigo e parceiro para outra paixão em comum, a fotografia).
Foi uma mistura de empolgação e um banho de água fria. Várias pessoas confirmaram que compareceriam e no horário marcado não estavam no ponto de encontro nem atendiam o telefone. Fomos só eu e o Victor mesmo, já estávamos lá, não tinha motivo para desistir. E lá fomos nós.
Alguns minutos depois o pedal da minha bicicleta quebrou e tive que empurrá-la até um posto de gasolina para ver se conseguia um alicate e fazer o conserto. A situação estava pior do que esperava e mesmo após colocar o pedal no lugar não levou muito tempo para ele cair. O jeito foi voltar pedalando com um pé só. Quem nunca??
Marcamos mais um dia e novamente só fomos eu e Victor. Minha bicicleta estava consertada, mas isso não impediu de aparecer outro contratempo. Pneu furado da bicicleta do Victor. Mais uma história para contar, mais uma pedalada na madruga. Foi então que no terceiro Pedal Madruga (nome oficial da brincadeira) apareceram mais duas pessoas. No quarto compareceram 6. E assim o Pedal Madruga cresceu e hoje sai quase todas terças, quintas e sábados, tirando da cama antes do galo cantar de 6 a 12 pessoas. Boa parte delas desconhecidas umas das outras, mas que foram unidas pela vontade de fazer algo diferente.
Além do passeio em si ainda temos outra atividade que faz parte do esquema: a fotografia. Como é quase unanimidade que todos carregam ao menos um celular com câmera, o visual do nascer do sol se tornou um belo cenário para exercermos nossas criatividades fotográficas e já pensamos, até, em transformar isso em um projeto. As imagens que ilustram esse texto são minhas e feitas durante os passeios, mas existem muitas outras tiradas pelos outros madrugueiros.
E assim transformamos a opressão em liberdade, traduzida em rodas, correntes, fotos, sorrisos e histórias.