16 outubro 2011

Crônica dos 30 anos

"Vou andando como sou
e vou sendo como posso."


      Eu tento escrever algo para publicar relativo a minha crise dos 30 já fazem mais de 15 dias. Meu aniversário chegou, passou e eu não publiquei nada. Talvez porque não saiba o que escrever, talvez porque acho que não seja a hora de expor certas coisas.

      Cantei parabéns, apaguei as velas e... nada de tristeza. Não esperei por presente algum além da lembrança de alguns amigos e, no entanto, posso dizer que fui bem presenteado. Entre tequilas, vinhos e perfumes (com nome de vinho - devem achar que sou cachaceiro ¬¬), algo mais legal me foi dado sem que alguém tivesse imaginado: alegria. Embrulhada numa leveza que por muito não sabia da existência no mercado, ela surgiu em doses enebriantes. Aproveitei cada gota possível, pedi outra dose e quando tinha acabado o estoque eu voltei pra casa numa ressaca maravilhosa.

      Eu precisava disso. Eu merecia isso. Eu quero mais, quero paz e quero riso.

      Vou deixar pra escrever sobre a minha crise de 30 anos depois, porque até agora não me entendi com ela. Essa DR não faz sentido no momento e quando chegar a hora espero que a idade pese ao meu favor.

10 outubro 2011

Todas as noites


eu e você
loucos a procura de fantasias
fazendo dos dias a nossa prosa
e das noites, poesia.

não somos dois
somos mais
somos sós
e sem sentido.

se eu te der a mão
você me dá um sorriso
eu te quero bem
você me quer contigo
se eu te fizer dormir
você vai sonhar comigo
não teremos início
nem seremos fim
só destino.

nos resta amar
e isso não basta
todo o amor é pouco
quando se tem
um coração louco.

04 outubro 2011

Doação

      "Um estampido. Nem teve tempo de ouví-lo direito. A bala foi mais rápida que o som e alcançou o outro lado da sua cabeça antes que a pressão das ondas sonoras pudessem causar qualquer tipo de sensibilização do tímpano. De um lado estava surdo, do outro estava morto.

      Se ele ainda pudesse manifestar opinião, uma única que fosse, diria que é mentira aquele clichê de que passa um filme da sua vida nesse átimo de tempo entre o saber iminente da morte e a morte propriamente dita. Nem uma micrometragem séria possível, o tempo que uma bala leva entre o tambor do revólver e o osso parietal oposto, quando se tem o cano encostado no couro cabeludo, não chega a um segundo. O máximo que ele pode fazer foi uma fotografia mental.

      Torcendo para que os neurônios que serviram de negativo não tivessem virado churrasco pelo calor do projétil e a humanidade tendo desenvolvido tecnologia para resgatar as últimas informações cerebrais, seria possível ver uma pessoa se olhando no espelho. Provavelmente também seria visível a banheira cheia de água e gelo. Um revolver. Um telefone do lado da banheira. Um pequeno pedaço de papel.

      Não seria difícil para a polícia finalizar a investigação. Suícidio com arma de fogo. Tiro certeiro, calculado, dado por alguém que sabia o que fazia. Ah, o sempre esperado recado de despedida ao mundo. Não teríamos nenhum herói para o jornal da noite.

      Mas os primeiros a chegar seria os médicos, avisados pelo próprio suícida. Para o roteiro dar certo e ele se sentir realizado em algum plano de existência etéreo (para alguns isso é conhecido como 7 palmos de terra) era preciso que a equipe de resgate emergencial não demorasse muito. Sabe como é, mesmo envolto de água gelada o corpo vai se deteriorando aos poucos. O sangue para de circular, os tecidos mais sensíveis ficam podres, algumas coisas enrigecem, outras amolecem. Tudo bem, isso ia acontecer para a maior parte do corpo, mas uma em especial precisava estar apta para uso posterior. Era importante.

      Por outro lado o SAMU não podia chegar muito rápido. Vai que esses malditos conseguem mantê-lo "vivo", mesmo que vegetando sobre uma cama de hospital? Sua existência já havia sido fodida demais para que tivesse que conviver com isso. Alguns motoristas mal educados, desses que buzinam antes do sinal ficar verde para que todos saiam da sua frente, pelo caminha daria conta do ímpeto desse povo de branco.

      O bilhete estava em destaque bem ao lado da banheira para que fosse visto até por um cego no escuro. Como queria evitar burocracia (mortos não gostam de perder tempo com papeis) deixou embaixo do bilhete a própria identidade e não pensem que era para facilitar identificação do defunto. Importante era a mensagem passada por três pequenas palavras: doador de órgãos.

      No bilhete seria possível ler a última vontade desse infeliz. Literalmente. Tanto a parte da última vontade quanto a do infeliz. Escrito com letras miúdas, lía-se:


"Coração pouco usado. Partido, porém funcional. Não entendi como funcionava, não tinha manual.


PS.: Pode ser que ele seja alérgico ao amor. Preferi não arriscar."