Enquanto estiver no meu mundo não tenho que me preocupar com a chuva, ela não passará de respingos na soleira da janela. Não matará a minha sede nem me levará embora, mas ouvirei contente o batucar das pequenas gotas.
Só que a chuva me chama, me atrai, me instiga. Talvez um anseio contra a minha aridez (há sempre um sertão dentro de nós esperando para verdejar), provavelmente a necessidade de transbordar o copo dos meus lamentos e desrepresar o se acumula nesse posso sem fundo que é a alma. Ei de ir lá fora arriscar. Enquanto isso deixo meu mundo desguarnecido do seu significado em si: Eu.
Não espero ser o mesmo depois da chuva, há algo de metamórfico no ar que entremeia as lágrimas das nuvens. Apenas feche os olhos e sinta as pequenas mudanças que acontecem a da molécula de H2O que percorre sua percepção.
Meu mundo sou eu. Mutado pela chuva, posso não ser reconhecido por ele e, portanto, não me reconhecer. É estranho ter que arrombar a porta e tomar de assalto o que já lhe pertence. Deixo a chuva lá fora, ela não faz parte do meu mundo e enquanto me livro das roupas encharcadas, penso se valeu a pena arriscar.
Quem eu era? A chuva levou e nunca mais voltará. Quem eu sou? A mesma chuva não há mais de mudar. Quem eu serei? Nenhuma chuva pode afirmar.