28 junho 2011

Chegada. Mudança. Partida.


      Lá fora a tarde se vai, maquiada de espessas nuvens brancas. Um pássaro voa pra lá, uma pessoa caminha sozinha pela rua. O sol já se escondeu, não sei se por timidez ou por vergonha. Nada de pôr do sol hoje. Parece metáfora do que se passou do dia antes da hora em que não haverá pôr do sol.

      Mais uma vez o dia prometia ser especial. Anúncio de frio ao longo do dia, andar sozinho por uma cidade praticamente desconhecida, conhecer pessoas e lugares. Isso tudo gera expectativa, esse tempero da imaginação. Arrumei minhas coisas com antecedência, dormi mais que a média dos últimos dias para acabar não cansando antes da hora e levantei cedo para não me atrasar.

      Café da manhã, banho, rua. Daqui até o começo do passeio não dá nem 10 minutos a pé. Pode parecer pouco, mas foi nesse espaço de tempo que meu dia se estragou, me levando a simplesmente pensar em voltar mais cedo pra casa. Pra minha casa, a alguns milhares de quilometro de onde escrevo. Depois de caminhar um pouco por entre árvores e prédios, vi que isso de desistir era besteira. Mas a chateação e a tristeza ainda estão presente.

      Não esperava que tudo saísse como eu planejei. Isso seria sorte demais pra uma única pessoa. Mas quando algo repetidamente dá errado pode ser um sinal de que mudanças são necessárias, mesmo que tardiamente.

25 junho 2011

O mundo lá fora

      Eu trabalho dentro de uma sala que até uns meses atrás não tinha janelas. Alguns vidros nas paredes ajudavam a perceber o dia indo embora lá fora, mas não podia ser abertos para ajudar na ventilação, por exemplo. Era quase uma caixa selada com várias pessoas e computadores dentro. Nada muito legal.

      Recentemente foi feita uma reforma que colocou janelas na sala. O piso de carpete foi trocado por um de cerâmica, fazendo com quem as cadeiras de escritório com rodas alcancem velocidades jamais imaginadas! Agora os ar-condicionados ainda são um problema, mas não impede o trabalho.


      Mas porque falei mesmo esse monte de abobrinha?

      Desde a semana passada tenho viajado para o interior do estado por conta do trabalho, fazendo um levantamento para produzir um relatório sobre a necessidade de equipamentos para modernização dos postos. Parece chato, não? E seria, se fosse somente isso.

      No geral vamos em grupos de 4 ou 5 pessoas, o que deixa pouco ou nenhum espaço sobrando no carro. O motorista não anda a menos de 100 km/h. Faz um tanto de calor. Nem todo trecho de estrada está com o asfalto em boas condições e ainda vem acompanhados de motoristas irresponsáveis. Apesar de todos esses contratempos, a viagem é produtiva e divertida. Tudo bem, cansa um tanto ficar horas dentro de um carro indo de um lado pra outro, mas nada que o bom humor não resolva.

      Durante as viagens aproveito pra ver alguns lugares onde nunca estive e também tento bater umas fotos das paisagens. Outro dia estava na estrada e vi o sol se por atrás da serra da Miaba. Não deu para tirar fotos, mas tenho aqui na mente gravada a imagem. Se uma dia existir um meio de mostrar isso para as pessoas, eu o faço.

20 junho 2011

Suvenir


      Outro dia fiquei observando um passarinho no jardim. Um bem-te-vi lindo, grande e alegre que cantava por algum motivo. Talvez fosse só por cantar mesmo, tenho desistido aos poucos de encontrar a razão de tudo. Talvez seja a hora de sentir mais, de maneira pura e simples.

      Ver esse passarinho me fez lembrar de que um dia passarinhos simbolizavam bem mais que um bicho que voa. Era o símbolo de um amor. Então procurei por esse amor. Ele se foi. Não deixou nem um bilhete de até logo. Nem um adeus.

      Foi-se a época em que pássaros, tsurus e músicas me lembravam um amor. Um amor que se vai é um amor a menos e ter menos amor não pode ser bom. Andam faltando amor às pessoas. Um amor perdido não significa um novo amor a ser encontrado. Significa só que você tem menos amor que antes. E eu quero amor a mais, quero amar mais. Quero amor.

      Esse passarinho que simbolizava um amor nunca foi preso. Não existia gaiola que o prendesse. Não se prende um amor. Ou ele foge pela grade ou ele entristece e morre. O meu se foi. Sei que cuidei dele o melhor que pude e o deixei livre para ficar o quanto quisesse. Ou partir quando quisesse. Ele partiu.

      Não espero ele voltar e nem irei atrás dele. Se nos encontramos ao acaso uma vez, terá de ser o acaso a nos unir de novo. Eu tenho amor em mim, que dou e tomo quando e a quem quiser. Não peça, não cobre e nem compre o meu amor. Conquiste-o. Sem guerras, sem lutas, sem sangue. E assim como o amor-passarinho, ficarei pelo motivo de querer ficar.

      O passarinho foi embora e meu amor perdeu a forma. Anda amorfo por aí. Uma hora encontro um novo molde e o transformo em um amor diferente. Talvez num amor-fotografia, num amor-filhote-de-cachorro ou até num amor-amor (esse é difícil de explicar). Pode ser outro amor-passarinho. Desde que seja amor.

17 junho 2011

Contraluz


"Conferindo: câmera, ok; lentes, ok; cartões de memória, ok; baterias, ok; flashes, ok.

Em breve chegaria a modelo e ele teria mais uma tarde de serviços. Apesar de nunca ter pensando em ser fotógrafo, as coisas foram acontecendo naturalmente que hoje ele não se imaginava fazendo outra coisa para ganhar a vida. Assim como em qualquer profissão, havia bons e maus momentos. Particulamente preferia trabalhar com paisagens naturais e passantes desconhecidos de ruas, mercados e festas, mas também sabia que o que mais rendia dinheiro (e nome) eram católogos de modas e books. Não que esses fossem de todo ruim, mas era comum se deparar com mocinhas de 15 anos que são um pé no saco e pessoas que só queriam fazer as mesmas fotos que os avós faziam quando era jovens.

Seu renome ainda não permitia recusar trabalhos, então ainda aceitava alguns que de antemão sabia que não seria dos mais prazerosos. Seu sonho não era ser fotógrafo da capa da Playboy ou da Vip, mas ter ao menos uma fotozinha numa página qualquer da National Geographics. Se isso uma dia acontecesse ele se sentiria realizado e qualquer outra coisa depois disso seria besteira. Vez por outra ele enviava uma foto pra redação da revista, esperando ao menos uma resposta diferente do tradicional email autómatico afirmando o recebimento do arquivo. Ainda chegaria o dia.

Estava ali, no quarto de um hotel antigo no centro da cidade, aguardando a chegada da contratante. Pelo que tinha conversado, seria uma ensaio simples, feito naquele próprio quarto, com uma temática retrô. Apesar da idade o hotel se mantinha conservado e possuia um certo charme. Devia ter sido construído pela década de 50 ou 60, passado por poucas e restritas reformas, chegando aos dias de hoje misturado ao mar de fachadas e luzes que é o centro de uma cidade grande. Esperava que o trabalho não durasse mais que 2h, podendo aproveitar um pouco a luz do fim de tarde para fazer umas fotos na rua.

Eis então que alguém bate a porta. Há muito fazer trabalho para pessoas com quem ele nunca trocou mais do que três telefonemas deixou de ser algo que o deixava nervoso. Antes havia o medo de ser um trote ou até mesmo uma armadilha pra roubar os equipamentos (quem conhece um pouco de fotografia sabe o quanto isso custa caro). O tempo e a experiência o ensinou a separar o jôio do trigo.

Abriu a porta e se deparou com uma garota. Houve uma pequena exitação quanto a deixá-la entrar ou não. No telefone ele havia tratado com uma mulher que seguramente tinha a voz de quem já viveu ao menos umas 30 primaveras, enquanto que a pessoas à sua frente não deveria ter chegado a maioridade legal. Perguntou o nome dela, para confirmar que se tratava da sua cliente. Ela mostrou a identidade como resposta, provando ser quem dizia (e também confirmando sua análise inicial: 17 anos). Entraram os dois no quarto e ficaram em silêncio durante um tempo. Sendo ele a parte experiente da dupla, tratou de começar a conversar. Sabia que boas fotos só se fazem quando não há um clima de tensão e insegurança. Foi tentando aos poucos dizer como faria as fotos e em como ela queria que os desejos dela fossem correspondido. Calada, ela respondia com acenos de cabeça e sons não articulados.

Quando ela resolveu falar algo foi para perguntar se poderia se trocar. Ele disse que tudo bem, poderia começar logo a tirar as fotos. Ela carregava consigo uma mochila, provavelmente com as roupas e acessórias que gostaria de usar. Alguns minutos depois ela retorna, com um belo vestido longo, um chapéu channel, alguns brincos e colares, uma leve maquiagem pó de arroz e um sapato de salto. De alguma forma ela não parecia mais com uma garota de 17 anos, mas com uma bela jovem com seus 20 e poucos anos. Na mão, um LP. Ele achou estranho esse adereço, no que ela captou e disse:

- Isso não é para sair nas fotos. É pra fazer com que o clima do ambiente fique mais parecido com o que quero.

Curiosamente ela abriu um armário baixo e lá dentro se encontrava uma radiola antiga e, acreditem, funcional.

- Escolhi esse hotel depois de procurar bastante. A radiola é minha, trouxe pra cá hoje mais cedo. - Disse ela, demonstrando uma segurança na voz que não condizia com sua aparência inicial. Logo começou a tocar uma música francesa, com cara de filme antigo. Como se fosse mágica, um sorriso brotou no rosto dela. Pareceu ficar iluminada.

- Então, vamos começar? - disse o fotógrafo, começando a gostar daquele serviço. Pouco a pouco foram explorandos os ambientes, as luzes, as poses. As fotos saiam com naturalidade, ele pouco tendo que orientá-la. De vez enquando se pegava admirando os olhos dela pelo visor da câmera, era como se eles quisessem dizer algo. Um olhar de... desejo? Logo ele espantou aqueles pensamentos, devia ser besteira da parte dele. Depois de algum tempo, deram uma pausa e foram dar uma olhada nas primeiras fotos.


- Está gostando? - perguntou o fotógrafo.
- Estou - respondeu ela - mas acho que está faltando algo.
- O que seria?
- Ainda estou me sentindo um tanto adolescente nas fotos. Queria algo mais adulto. Nunca tive vontade de fazer um álbum quando completei 15 anos, mas agora quis fazer algo que eu não ficasse com vergonha de mostrar depois. Também quero algo bem feito e andei olhando seu trabalho e gostei do seu estilo de foto.
- Ah, obrigado. Quanto as suas fotos, o que você sugeriria para deixá-las mais a seu gosto?
- Pra começar, estou achando que estou me sentindo presa. Como imaginei que isso poderia acontecer... aceita um pouco de vinho? - disse isso já abrindo o frigobar e tirando uma garrafa de tinto, devidamente gelada. Nem esperando a resposta, serviu duas taças. - E acho que está na hora de mudar de roupa de novo. Volto já. - entregou a taça ao fotógrafo e foi se trocar.

Ele tomou um pequeno gole do vinho, mas não tinha intenção de bebê-lo todo. Além de não ser dos mais fortes para lidar com álcool também preferia manter a concentração por completo. Aquilo era trabalho, afinal.

Ela voltou com um vestido mais curto com decote, um encharpe, um batom vermelho e o cabelo preso. Trazia a taça vazia, com marcas de boca por todos os lados. Usava também luvas brancas, até a altura do cotovelo, e brincos longos. Ele de certa forma se surpreendeu como uma garota tímida estava conseguindo se transformar... numa mulher. Sem saber porque, tomou um gole demorado de vinho enquanto a observava. Ela deu um ligeiro sorriso, achando aquilo engraçado e ao mesmo tempo provocador.

- Queria tirar algumas fotos pelo corredor, pela escada. Como se estivesse voltando pra casa depois depois de um encontro, encantada, pensando no que aconteceu. O que você acha?

- Você realmente sabe o que quer. Dá próxima vez me avisa o roteiro com antecedência, posso pensar em algumas coisas também. - dizendo isso ele deu uma risada.

- É, eu sei o que quero. E normalmente consigo o que quero. - falou, olhando bem nos olhos dele.

Recomeçaram na porta do hotel, pela calçada. Ela seguia como que desfilando, flutando por entre as pedras velhas do calçamento que já vivenciaram tantas histórias. Ela realmente parecia estar apaixonada, radiante com um novo amor. Entrou na pequena recepção do hotel distribuindo sorrisos para todos os lados, sendo retribuída pelo recepcionista. Começou a subir a escada devagar, no que deu um parada e olhou pro fotógrafo por cima do ombro. Ele se pegou sendo surpreendido novamente pela sensação de que aquela garota de alguma forma o tentava conquistar. Entre um lance e outro de escada havia uma janela, ela parou e ficou observando os telhados e as nuvens. Não havia pássaros cantando, mas isso pra ela não fazia a menor diferença. Até que ponto aquilo era encenação ou era realidade, o fotografo não sabia, mas já estava se sentindo envolvido com aquilo. Olhava cada vez menos a garota como um trabalho e passava a vê-la como... uma garota apaixonada.

No corredor do quarto ela foi rodando, como se fosse uma bailarina, fazendo o encharpe dançar no ar ao compasso dos seus passos. Ele foi registrando tudo aquilo, se perguntando se as fotos ficariam tão boas quanto o que via com os próprios olhos. Finalmente entraram no quarto, ela se dirigiu a cama e ficou deitada, olhos fechados, o rosto, tocado suavemente pela mão esquerda, com o semblante radiante. O disco ainda tocava baixo, fazendo ele pensar que realmente estava numa outra época. Deixou de fotografar e ficou admirando a cena. Foi trazido a realidade pela voz suave dela (parecia, na verdade, ser outra voz):

- Como será que ficaram as fotos? Acho que agora ficaram realmente boas!

- Temo que as fotos não saiam tão boas como deveriam. Honestamente, acho que nenhum fotografo faria juz ao que pude ver.

- Assim você me deixa envergonhada.

- Ah, desculpe. Não era minha intenção. Vamos ver as fotos?

Enquanto ele ligou a câmera no computador para visualizarem melhor as fotos, ela apareceu com as taças de vinho cheias. Dessa vez ele ficou com a taça com marcas de batom. Achou graça naquilo. Então sentaram no sofá e começaram a ver as imagens. Entre um arquivo e outro, entre um comentário e alguns sorriso, percebeu um leve perfume tomando conta do ar. Era dela. Perdeu a concentração por algum momento, viajando no sentido aguçado pelo aroma. No fim achou que as imagens ficaram boas, mas de forma alguma comparáveis ao que viu com os próprios olhos. Certamente ficariam melhores com alguma edição.

Achou que o trabalho estava terminado, havia material suficiente para mais de um book de boa qualidade ali. Começou a desligar cabos e guardar tudo quando a garota falou:

- Já acabamos?

- Bem, acho que sim.

- Poxa, eu ainda tinha mais algumas coisas em mente. Será que não poderíamos fazer só mais algumas fotos? Até pago esse horário a mais, se for o caso.

- Ah, não. Tenho problemas com o horário. Fui contratado pra fazer o serviço, não para contar as horas. Se você ainda quer fazer mais fotos, podemos fazer. Só alerto para o fato de ter muita coisa boa e depois vai ser díficil e demorado para chegarmos ao álbum propriamente dito.

- Não estou preocupada com a demora. Pelo menos não com essa. Vou me trocar pela última vez, depois disso eu prometo que está terminado.

- Fique a vontade.

Antes de se trocar ela voltou a encher as taças. Mudou o disco e levou sua taça contigo. Ele ficou a espera na sala do quarto, enquanto ajustava a câmera e trocava de lente. Pouco a pouco ele foi tomando o vinho, percebendo que dessa vez ela demorava mais que anteriormente. A tarde já ia embora, luzes avermelhadas invadiam o quarto pela janela, formando um belo gradiente de cores e desenhos na parede. O vinho já tinha subido a cabeça, ele se encontrava distraído, olhando para a janela quando teve sua atenção requisitada.

Parada na passagem que separava a sala do quarto, ela se encontrava encostada, taça de vinho numa mão, um cigarro aceso na outra, vestida com um espartilho e cinta liga, cobertos por uma camisola quase transparente. Tudo preto, contrastando com com a pela branca da garota. A luz do por do sol criava sombras naquela figura hipinótica. Ele não sabia o que fazer, então continuo olhando-a, de cima a baixo.

Aos poucos ela foi se aproximando, pé ante pé, enquanto tomava um gole de vinho e dava um trago no cigarro. Ele começou a fotografá-la de qualquer jeito. Ela desfilou de um lado para outro, cada vez mais próximo a ele, fazendo caras e bocas e poses. Ele já não tinha dúvidas de que ela queria seduzí-lo, como também não tinha de que ela já havia conseguido. Ele a desejava. Mas aquilo não era certo, ela era de menor. Uma menor que preparou tudo aquilo, de forma planejada, detalhe por detalhe... porém ainda assim ela era menor de idade. Ela tirou a camisola vagarosamente, deixando que ela escorresse pelo seu corpo até chegar tocar o chão. Manhosamente ela se abaixou para pegá-la e depois jogá-la na direção dele. O tempo que ele levou para tirar a camisola de cima da câmera foi exatamente o mesmo que ela levou para dar os últimos passos. Estavam parados frente a frente. Ela deixou a taça sobre a mesa. Retirou a câmera das mãos dele e também a colocou sobre a mesa. Empurrou-o sobre o sofá, sentou sobre o seu colo e soltou uma leve baforada de cigarro em seu rosto.

- Bem, acho que ainda preciso da máquina para fazer as fotos.

- Você não vai precisa de máquinha alguma para o que vamos fazer agora. E pode ter certeza que não serão fotos.

Se estudaram. A diplomacia do iminente tomou as rédeas do entrave. O silêncio dos olhares era inversamente proporcional ao som que os corações disparados produziam. Numa negociação em que a parte relutante (ele) não era convencida pela parte decidida (ela) apenas pelo olhar, lábios sedentos entraram em ação. Mordendo levemente a própria boca, ela se aproximou dos lábios dele. Estes institivamente se entreabriram, certos da sua vitoriosa derrota.


Ela então começou a recolher seu espólio de guerra. Primeiramente, um beijo. O que tomou pra si depois não entrou nos livros de história...

03 junho 2011

Basta um sopro


      Era belo! Dos mais vistosos, diriam alguns. Incontrolável, diriam outros. De qualquer forma, dava gosto vê-lo no ar, brilhante, vermelho. Vivo. Mas não souberam cuidar de ti. Sem quem o mativesse, foi perdendo a razão de ser. Definhou. Vazio, murcho. Quase um vácuo. E de que me serve assim? Qual a alegria de não poder voar quando se foi feito pra viver nas nuvens? Esse cordão que antes segurava, agora pendura. Se for pra ser assim, eu quero mais é que exploda, por não suportar a pressão do que pulsa por dentro! A asfixia da vida sem par, colabado que está, não se permite novos ares. É preciso força para romper a resistência do estar não-contendo. Quase sempre uma solidão oca. Não há beleza na forma amorfa e sem vida. Nem por fora, nem por dentro. Por fim, a degradação. Furos, rasgos. De "não-usado" passou a "imprestável". Melhor desistir do céu azul, o seu futuro à terra fria pertece.

      Mas nada precisa ser desse jeito! Enquanto é tempo, basta uma breve lufada de esperança, quente e leve. Depois, sopros e sopros de ternura, de carinho. Inflado, vai tomando forma e cor. Já não penderá sobre o duro frio do chão. Com os cuidados que a entrega e atenção permitem, será capaz de voar, de sentir. De sonhar. É, coração, talvez você ainda ainda tem salvação.