A única certeza na vida é a morte. E eu encaro a morte de um forma bem particular.
Além da questão da proximidade que tinha com quem faleceu, levo muito em consideração o que ela tinha feito (e ainda poderia fazer) para o bem de todos. Não gosto de velórios e enterros, prefiro guardar comigo a imagem de alguém vivendo a vida que de um corpo dentro de um caixão.
Ontem, no trabalho, recebi a notícia que meu ex-professor de geografia da época do colégio faleceu, após tentar curar um câncer de intestino por dois anos. E isso me deixou profudamente triste, porque ele era o tipo de pessoa que deveria ser imortal. Não falo aqui nas lembranças que ele deixou em todos que foram seus alunos, falo no sentido literal: pessoas como ele não deveriam morrer. Acredito que assim a humanidade seria muito melhor.
Conheci Tio Ramiro (chamava ele assim sempre) muito antes dele ser meu professor, pois meu irmão mais velho estudava com o filho dele. Eu ainda era do ensino fudamental mas já escutava as histórias pela boca do meu irmão: "Ele é durão"; "Você vai se dar mal quando chegar à 5ª e tiver aula de geografia"; "Ele manda metade da turma pra secretária na primeira semana de aula". Tudo isso foi criando um aura de carrasco e professor casca grossa, daquelas que a gente odéia até sair do colégio.
Então chegou a minha vez de começar a estudar no ginásio (5ª série) e ter aulas de geografia com o Ramiro. Logo na primeira aula, ele olhou pra mim é mandou um "Te conheço, viu?" a queima roupa. Pensei que ali estaria a realização dos meus temores. Mas o que veio depois disso foi uma aula de como ser uma pessoa. Em todos os sentidos.
Ao longo de vários anos ele me mostrou que ali na minha frente não se encontrava apenas um mero repetidor de livros, mas um mestre que aprendeu, sobretudo, com a vida. Me ensinou que a geografia não é somente mapas e capitais, é uma forma de entender a ocupação de espaços naturais pelo homem. E como tudo que envolve o ser humano, tem sérias consequências para o meio ambiente.
Ele também me mostrou que professores são seres humanos e por isso mesmo, erram. Quando errou, ele foi o primeiro a admitir e pedir desculpas pelo que causou. Isso só acontece com as pessoas que tem caráter e o dele era infinito.
Depois de algum tempo ele se mostrou uma grande pai para mim (e para todos), daqueles que ensinam e que cobram. E sempre agradeci a ele por ter passado no vestibular de Biologia da UFS. Se não fosse pelo gosto que ele me fez ter por Geografia eu não teria acertado 73 dos 75 itens das 3 provas do PSS.
Tio Ramiro tinha o riso fácil. E percebeu antes de mim que eu tinha alguma coisa a mais com a geografia. Fico para sempre com as lembranças das nossas competições para ver quem terminava primeiro os exercícios de geografia no 3° ano. Eu sempre ganhava (até porque ele era interrompido para tirar dúvidas dos outros alunos).
De tanto que ele era querido, foi feita uma adaptação de uma música de Luiz Gonzaga para ele que, de certa forma, tem um pouco haver com o momento.
"Não posso respirar, não posso mais nadar
A terra tá morrendo, não dá mais pra plantar
Se planta não nasce se nasce não dá
Até pinga da boa é difícil de encontrar
Cadê a flor que estava ali?
Poluição comeu.
E o peixe que é do mar?
Poluição comeu
E o verde onde que está ?
Poluição comeu
Nem o Ramirão sobreviveu"