14 janeiro 2010

Conto noturno



      "Depois de uma noite num bar, hora de voltar para casa. Muita coisa se passou na cabeça até que a terceira ou quarta dose de destilado esterelizasse tudo. Agora, já tinha esquecido o que lhe incomodava e andava pela rua deserta, escura. Os postes pouco faziam, iluminando pequenos pedaços da calçada logo abaixo deles. A noite fria e solitária lhe fazia companhia, seguindo seus passos vacilantes.

      No caminho, alguns transeuntes e prostitutas procurando diversão barata e sem compromisso. Aquela área da cidade, que já fora punjante um dia, hoje nada mais era que um decadente distrito comercial. Como acontece na maior parte das áreas assim, durante a noite virava uma terra de ninguém. Ou de todos, depende de como você prefere ver.

      Estava cansado de caminhar, havia trabalhado muito o dia inteiro e bebido mais do que o normal para uma quarta feira. Tomou então um beco para cortar caminho. Quem entra num beco e sai do outro lado, nunca mais é o mesmo. Nos becos tudo se concentra. E tudo se desfaz.

      Becos deveriam ser evitados à luz do dia, quem dirá na escuridão da noite. Mas isso não era uma opção para o momento, era uma necessidade, quase um imploro do corpo. Sem muito pensar a respeito adentrou no beco. Em pouco tempo já havia sumido no breu misterioso.

      E aos poucos foi se sentido vigiado, como se as parades tivesses olhos e os lixeiros tivesse boca. Sussurravam coisas sem nexo, confundindo ainda mais sua mente alcoolizada. Sem perceber, seus passos foram ficando menos firmes. Menores. Era difícil distinguir qualquer coisa naquela escuridão. Procurou uma parede para se apoiar e seguir em frente, mas essas também haviam indo embora com a falta de luz. Em pouco tempo estava acometido por uma sensação estranha, um sufuco. Então caiu.

      Sabia que estava no chão porque suas mãos apalpavam o mesmo lugar que os joelhos se choracaram. Não havia dor. Havia medo. Logo ele, acostumado aos caprichos da noite sombria. Começou a sentir a garganta seca, os olhos afogados. Chorou.

      Houve um barulho. Um estalo. E então, um golpe lhe atingiu as costas. Pensou que não teria mais chance de viver. Não importa o que fosse, ele não tinha mais forças nem coragem de revidar. Fugir? Sem chance. Alguns segundo se passaram até conseguir abrir os olhos e no entanto viu quase que todo sua vida passar. Não como um filme, mas como um álbum de fotos, daqueles velho e já sem emoção. Quando a contra-capa do cobriu a última foto, ele percebeu o que lhe havia derrubado: um gato.

      Apagou. Como num sonho, se viu num mundo diferente, porém familiar. Prestando atenção no que lhe cercava, encontrou tudo aquilo que lhe amedrontava. Seus temores e fraquezas estavam ali, todos expostos e encarando-o. Percebeu que só sairia dali, só despertaria quando tivesse derrotado todos eles. Um a um eles foram caindo, até que não restou mais nada.

      Não sabe quanto tempo esteve ali, deitado. Não sabe o que se passou no mundo naqueles momentos em que esteve distante, mas ainda era noite. Levantou, decidiu para que lado seguir e foi em frente. Ainda zonzo, trôpego e desorientado, porém sempre em frente. Ao chegar no final do beco, percebeu que o sol nascia em alguma direção, deixando o mundo mais claro. Nessa hora sentiu como se uma parte dele tivesse desprendido do seu corpo enquanto esteve dentro do beco. Se sentiu leve. Renovado. Decidiu que era hora de mudar de vida. E seguiu na direção oposta a sua casa. Já não era o mesmo para chamar aquilo de lar.

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